07/04/2012

Mil e um sentidos













O denominador comum é uma cor. As cores, a luz. Tantas. A cor que faz pensar em mil e uma noites, em aventuras e desventuras, materializa odores e energia.

Os vendedores têm uma humildade intrínseca à comida que vendem. Sabemos que se se disser "lagosta", há uma série de referências inevitáveis. Se pronunciarmos "trufas", mais referências. Os referentes, as referências...

Mas e quando se diz "batatas" ou "milho" ou "pão"? Quais são as coisas que vêm com isso? Que imaginários ou cenários? Muito longe dos outros. Muito provavelmente. Ingredientes prévios. Disseminados. Para acompanhar qualquer coisa. Raramente valem por si... Ou não...
Istambul, parece reunir todos os sabores, todas as cores, nos bazares, nos mercados, nas ruas. Que uma das lições maiores de Istambul é o convício da sumptuosidade e a da frugalidade. Os peixes vêm de noite para as bancas, do rico e do pobre. A carne, os legumes. Os queijos. Os sentidos não dormem, são sentinelas distraídas na festa, donzelas desvairadas com a primavera.
Sem saber muito bem o que está para vir. Sem conseguir antecipar o que sabor.
Não chegam cinco, nem tão pouco um sexto, têm de ser 1001, como as noites que Istambul evoca.

06/04/2012

Uma espécie de Hotel







Lugares transitórios. Onde sentimos mais que afinal podíamos não pertencer a lugar nenhum. Há a ideia de uma casa. Mais ou menos permanente. Mais ou menos quieta. E há os lugares todos onde estamos mesmo de passagem. Como os hotéis. Metáforas muito cheias de nós. Talvez por nos darem hipóteses libertadoras. De nos perspectivarmos isolados. Fora da nossa zona de conforto. Longe de objectos acumulados. Longe de uma série de significantes. E de significados. E de repente podíamos ser outros que não nós. Personagens num palco transitório. Há uma hermenêutica própria para isto de andarmos em trânsito. De estarmos sozinhos, mesmo que até nem seja bem assim. Mas a metáfora é mais evidente nos hotéis. Podiam ser só não-lugares. Pelo óbvio. Mas o bom é não serem isso de não-lugares. E então, gosto sempre da sensação de chegar a um quarto vazio de hotel. Por chegar a um lugar que nunca significou nada antes. Por ser um espaço onde vou habitar transitoriamente. Nenhum dos objectos significa nada. Não fui eu numa viagem qualquer. Não fui eu por um afecto qualquer. Não fui eu e um dos meus impulsos quaisquer. Nada de mim foi ali deixado previamente. Não havia nada meu. Antes de entrar, digo. Antes desse movimento simples, não havia nada. E no entanto. No entanto, há sempre aquele detalhe que faz com que assim que entre, passe a ser qualquer coisa que não havia antes. Procuro não deixar que as coisas passem incólumes. Mesmo as transitórias. Talvez por saber que aquilo que remanesce de cada uma delas não tem nada de transitório. Enquanto eu existir.

Scale it back

Este blog é um o meu gravador, se estivesse a construir uma espécie de mapa interior. Uma cartografia feita de lugares. De pessoas. De coisas. Que me sabem bem. E criar uma geografia possível. Que exista enquanto eu existir. Que exista por eu existir. Alguma coisa que viva disso. Como este ponto geográfico indeterminado onde gosto de me demorar. Enquanto o destino me permitir. Existir. E poder conceder-me a dádiva do registo. Conseguir ser capaz de dizer o que o destino permite.
Não gosto de passar por cima das coisas. Antes ir ao fundo delas. Para poder olhá-las nas suas dimensões. E fazer como diz a música. Scale it back. Aprender a reduzir o tamanho ou a quantidade de alguma coisa.



06/03/2012

Elogio à Sopa

Parece veludo branco, quando se olha. Num primeiro gesto, dá-se conta de haver mais qualquer coisa. Isso é o que acontece ao olhar. Logo a seguir, vem a parte em que se sente. Aquele efeito de uma sopa quentinha. Penso sempre que não deixa de ser curioso. Porque é uma daquelas coisas de todos os dias, no fundo. Uma sopa faz-se muito rápido, a maior parte das vezes. Não obedece a procedimentos muito elaborados. A base é simples, mesmo que possamos complicá-la. Ou sofisticá-la. Em todo o caso, aquilo que tenho aprendido nestes anos todos, é que as sopas mais simples são as que fazem melhor. Todos os dias isto. Até pode ter sido um dia complicado. Até pode ter acontecido sentir que não se é mesmo nada. Mas o ritual de fazer uma sopa, por ser tão humilde, tão à medida das nossas limitações, reconcilia-nos com aquilo que em nós vai abaixo. Seja o que for que aconteça, ser capaz de fazer uma sopa, há-de ser sempre possibilidade de colo. Daqueles que não se pede a ninguém. Como se pudéssemos olhar-nos de fora e concedermo-nos o conforto de um colo. Seja o que for que venha por aí.

05/03/2012

Agora mesmo...

No meio da confusão, do meu dia mais cheio

Vem-me uma saudade súbita
Do teu sorriso
Do teu abraço

Adormecia agora no teu regaço.

Sonho impreciso,
Amar-te é como andar de manga curta,
Felicidade e ternura,
És o meu verão que sempre dura.

És o único futuro em que creio.

02/03/2012

Miami, por do sol antes de apanhar o avião


"Para quem faz do sonho a vida, e da cultura em estufa das suas sensações uma religião e uma política, para esse, o primeiro passo, o que acusa na alma que ele deu o primeiro passo, é o sentir as coisas mínimas extraordinária e desmedidamente. "

Livro do Desassossego - Educação Sentimental
Bernardo Soares

20/02/2012

Recordação de Um dia na Praia


Não te amo como se fosses a rosa de sal, topázio
Ou flechas de cravos que propagam o fogo:
Amo-te como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.
Amo-te como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.
Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
Amo-te assim diretamente sem problemas nem orgulho:
Assim amo-te porque não sei amar de outra maneira,
Senão assim deste modo que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Antes de amar-te, amor, nada era meu:
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,...,
Perguntas que insistiam na areia....
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono
Pablo Neruda